Em matéria realizada pela revista
Cristianismo Hoje, a polêmica dos maçons em igrejas evangélicas fica cada vez
mais evidente. Muitos já veem como algo comum no meio e creem que não há
problemas ou divergências dentre as duas crenças, visto que muito do que é dito
sobre a Ordem Maçonica seria mentira. Abaixo você confere a matéria completa da
revista:
Ela costuma causar nos crentes um
misto de espanto e rejeição. Pudera – com origens que se perdem nos séculos e
um conjunto de ritos que misturam elementos ocultos, boa dose de mistério e uma
espécie de panaceia religiosa que faz da figura de Deus um mero arquiteto do
universo, a maçonaria é normalmente repudiada pelos evangélicos. Contudo, é
impossível negar que a história maçônica caminha de mãos dadas com a do protestantismo.
Os redatores do primeiro estatuto da entidade foram o pastor presbiteriano
James Anderson, em Londres, na Inglaterra, em 1723, e Jean Desaguliers, um
cristão francês. Devido às suas crenças, eles naturalmente introduziram
princípios religiosos na nova organização, principalmente devido ao fim a que
ela se destinava: a filantropia.
O movimento rapidamente encontrou espaço para
crescer em nações de tradição protestante, como o Reino Unido e a Alemanha, e
mais tarde nos Estados Unidos, com a colonização britânica. Essa relação,
contudo, jamais foi escancarada. Muito pelo contrário – para a maior parte dos
evangélicos, a maçonaria é vista como uma entidade esotérica, idólatra e
carregada de simbologias pagãs.
Isso tem mudado nos últimos
tempos. Devido a um movimento de abertura que atinge a maçonaria em todo o
mundo, a instituição tem se tornado mais conhecida e perde, pouco a pouco, seu
aspecto enigmático. Não-iniciados podem participar de suas reuniões e cada vez
mais membros da irmandade assumem a filiação, deixando para trás antigos
temores – nunca suficientemente comprovados, diga-se – que garantiam que os
desertores pagavam a ousadia com a vida. A abertura traz à tona a uma antiga
discussão: afinal, pode um crente ser maçom? Na intenção de manter fidelidade à
irmandade que abraçaram, missionários, diáconos e até pastores ligados à
maçonaria normalmente optam pelo silêncio. Só que crentes maçons estão fazendo
questão de dar as caras, o que tem provocado rebuliço. A Primeira Igreja
Batista de Niterói, uma das mais antigas do Estado do Rio de Janeiro, vive uma
crise interna por conta da presença de maçons em sua liderança. A congregação
já estuda até uma mudança em seus estatutos, proibindo que membros da sociedade
ocupem qualquer cargo eclesiástico.
Procurada pela reportagem, a
Direção da congregação preferiu não comentar o assunto, alegando questões
internas. Contudo, vários dos oficiais da igreja são maçons há décadas: “Sou
diácono desta igreja há 28 anos e maçom há mais de trinta. Não vejo nenhuma
contradição nisso”, diz o policial rodoviário aposentado Adilair Lopes da
Silveira, de 58 anos, mestre da Loja Maçônica Silva Jardim, no município de
mesmo nome, a 180 quilômetros da capital fluminense. Adilair afirma que há
maçons nas igrejas evangélicas de todo Brasil, dezenas deles entre os membros
de sua própria congregação e dezesseis entre os 54 membros da loja que
frequenta: “Por tradição, a maioria deles é ligada às igrejas Batista ou
Presbiteriana. Essas são as duas denominações em que há mais a presença
histórica maçônica”, informa.
Um dos poucos crentes maçons que
se dispuseram a ser identificados entre os 17 procurados pela reportagem, o
ex-policial acredita que a sociedade em geral, e os religiosos em particular,
nada têm a perder se deixarem “imagens distorcidas” acerca da instituição de
lado. “Há preconceito por que há desconhecimento. Alguns maçons, que queriam
criar uma aura de ocultismo sobre eles no passado, acabaram forjando essa coisa
de mistério”, avalia. “Já ouvi até histórias de que lidamos com bodes ou
imagens de animais. Isso não acontece”, garante. Segundo Adilair, o único
mistério que existe de fato diz respeito a determinados toques de mão, palavras
e sinais com os quais os maçons se identificam entre si – mas, segundo ele, tudo
não passa de zelo pelas ricas tradições do movimento, que, segundo determinadas
correntes maçônicas, remontam aos tempos do rei hebreu, Salomão. E, também,
para relembrar tempos difíceis. “São práticas que remontam ao passado, já que
nós, maçons, fomos muito perseguidos ao longo da história”.
Adilair adianta que não aceitaria
uma mudança nos estatutos da igreja para banir maçons da sua liderança. Tanto,
que ele e seus colegas de diaconato que pertencem ao grupo preparam-se para, se
for o caso, ingressar na Justiça, o que poderia desencadear uma disputa que
tende a expor as duas partes em demanda. Eles decidiram encaminhar uma cópia da
proposta do regimento ao presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
desembargador Luiz Zveiter. “Haverá uma enxurrada de ações na Justiça se isso
for adiante, não tenho dúvidas”, afirma o diácono. A polêmica em torno da
adesão de evangélicos à maçonaria já provocou até racha numa das maiores
denominações do país, a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), no início do
século passado (ver abaixo).
O pastor presbiteriano Wilson
Ferreira de Souza Neto, de 43 anos, revela que já fez várias entrevistas com o
intuito de ser aceito numa loja maçônica do município de Santo André, região
metropolitana de São Paulo. O processo está em andamento e ele apenas aguarda
reunir recursos para custear a taxa de adesão, importância que é usada na
manutenção da loja e nas obras de filantropia: “Ainda não pude disponibilizar
uma verba para a cerimônia de iniciação, que pode variar de R$ 1 mil a cinco
mil reais e para a mensalidade. No meu caso, o que ainda impede o ingresso na
maçonaria é uma questão financeira, e não ideológica” diz Wilson, que é mestre
em ciências da religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e estuda o
tema há mais de uma década.
“Pessoas próximas sabem que sou
maçom e isso inclui vários membros de minha igreja”, continua o religioso.
“Alguns já me questionaram sobre isso, mas após várias conversas nas quais eu
os esclareci, tudo foi resolvido”. Na mesma linha vai outro colega de
ministério que prefere não revelar o nome e que está na maçonaria há sete anos.
“Tenho 26 anos de igreja, seis de pastorado e posso garantir que não há nenhuma
incompatibilidade de ser maçom e professar a fé salvadora em Cristo Jesus nosso
Senhor e Salvador”, afirma. Ele ocupa o posto de mestre em processo dos graus
filosóficos e diz que foi indicado por um pastor amigo. “Só se pode entrar na
maçonaria por indicação e, não raro, os pastores se indicam”. Para o pastor,
boa parte da intolerância dos crentes em relação à maçonaria provém de
informações equivocadas transmitidas por quem não conhece suficientemente o
grupo.
“Sem caça às bruxas”
Procurados com insistência pela
reportagem, os pastores Roberto Brasileiro e Ludgero Bonilha, respectivamente
presidente e secretário-geral do Supremo Concílio da IPB, não retornaram os
pedidos de entrevista para falar do envolvimento de pastores da denominação com
a maçonaria. Mas o pastor e jornalista André Mello, atualmente à frente da
Igreja Presbiteriana de Copacabana, no Rio, concordou em atender CRISTIANISMO
HOJE em seu próprio nome. Segundo ele, o assunto é recorrente no seio da
denominação. “O último Supremo Concílio decidiu que os maçons devem ser
orientados, através do Espírito Santo, sem uso de coerção ou força, para que
deixem a maçonaria”, conta Mello, referindo-se ao Documento CIV SC-IPB-2006,
que trata do assunto. O texto, em determinado trecho, considera a maçonaria
como uma religião de fato e diz que a divindade venerada ali, o Grande
Arquiteto do Universo, é uma entidade “vaga”, sem identificação com o Deus
soberano, triúno e único dos cristãos.
O pastor, que exerce ainda o
cargo de secretário de Mocidade do Presbitério do Rio, lembra que, assim como
as diferentes confissões evangélicas têm liturgias variadas e suas áreas de
conflito, as lojas maçônicas não podem ser vistas em bloco – e, por isso mesmo,
defende moderação no trato da questão. “Vejo algum exagero na perseguição aos
maçons, pois estamos tratando de um problema de cem anos atrás, deixando de
lado outros problemas reais da atualidade, como a maneira correta de lidar com
o homossexualismo”. O pastor diz que há mais presbíteros do que pastores maçons
– caso de seu pai, que era diácono e também ligado à associação. “Eu nunca fui
maçom, mas descobri coisas curiosas, como por exemplo, o fato de haver líderes
maçons de várias igrejas, inclusive daquelas que atacam mais violentamente a maçonaria.
“Não acredito que promover caça às bruxas faça bem a nenhum grupo religioso”,
encerra o ministro. “Melhor do que aprovar uma declaração contra alguém é
procurá-lo, orar por ele, conversar, até ganhar um irmão.”
O presidente do Centro
Apologética Cristão de Pesquisa (CACP), pastor João Flávio Martinez, por sua
vez, não deixa de fazer sérios questionamentos à presença de evangélicos entre
os maçons. “O fato é que, quando falamos em maçonaria, estamos falando de outra
religião, que é totalmente diferente do cristianismo. Portanto, é um absurdo
sequer admitir que as duas correntes possam andar juntas”. Lembrando que as
origens do movimento estão ligadas às crenças misteriosas do passado, Martinez
lembra o princípio bíblico de que não se pode seguir a dois senhores. “Estou
convencido de que essa entidade contraria elementos básicos do cristianismo.
Ela se faz uma religião à medida que adota ritos, símbolos e dogmas,
emprestados, muitos deles, do judaísmo e do paganismo”, concorda o pastor
batista Irland Pereira de Azevedo.
Aos 76 anos de idade e um dos
nomes mais respeitados de denominação no país, Irland estuda o assunto há mais
de três décadas e admite que vários pastores de sua geração têm ou já tiveram
ligação com a maçonaria. Mas não tem dúvidas acerca de seu caráter espiritual:
“Essa instituição contraria os mandamentos divinos ao denominar Deus como
grande arquiteto, e não como Criador, conforme as Escrituras”. Embora considere
a maçonaria uma entidade séria e com excelentes serviços prestados ao ser
humano ao longo da história, ele a desqualifica do ponto de vista teológico e
bíblico. “No meu ponto de vista, ela não deve merecer a lealdade de um
verdadeiro cristão evangélico. Entendo que em Jesus Cristo e em sua Igreja
tenho tudo de que preciso como pessoa: uma doutrina sólida, uma família
solidária e razão para viver e servir. Não sou maçom porque minha lealdade a
Jesus Cristo e sua igreja é indivisível, exclusiva e inegociável.”
Ligações perigosas
Crentes reunidos à porta de
templo da IPI nos anos 1930: denominação surgiu por dissidência em relação à
maçonaria.
As relações entre algumas
denominações históricas e a maçonaria no Brasil são antigas. Os primeiros
missionários americanos que chegaram ao país se estabeleceram em Santa Bárbara
(SP), em 1871. Três anos depois, parte desses pioneiros, entre eles o pastor
Robert Porter Thomas, fundou também a Loja Maçônica George Washington naquela
cidade. O espaço abrigou, em 1880, a reunião de avaliação para aprovação ao
ministério de Antônio Teixeira de Albuquerque, o primeiro pastor batista
brasileiro. Tanto ele quanto o pastor que o consagrou eram maçons.
Quando o missionário americano
Ashbel Green Simonton (1833-1867) chegou ao Brasil, em 12 de agosto de 1859,
encontrou, na então província de São Paulo, cerca de 700 alemães protestantes.
Sem ter onde reuni-los, Simonton – que mais tarde lançaria as bases da Igreja
Presbiteriana do Brasil (IPB) – aceitou a oferta de maçons locais que
insistiram para que ele usasse sua loja, gratuitamente, para os trabalhos
religiosos. A denominação, que abrigava diversos maçons, sofreu uma cisão em 31
de julho de 1903. Um grupo de sete pastores e 11 presbíteros entrou em conflito
com o Sínodo da IPB porque a denominação não se opunha a que seus membros e
ministros fossem maçons. Foi então fundada a Igreja Presbiteriana Independente
do Brasil (IPI).
Ultimamente, a IPB vem
reiteradamente confirmando a decisão de impedir que maçons exerçam não só o
pastorado, como também cargos eclesiásticos como presbíteros e diáconos. As
últimas resoluções do Supremo Concílio sobre o assunto mostram o quanto a
maçonaria incomoda a denominação. Na última reunião, ficou estabelecida a
incompatibilidade entre algumas doutrinas maçons e a fé cristã. Ficou proibida
a aceitação como membros à comunhão da igreja de pessoas oriundas da maçonaria
“sem que antes renunciem à confraria” e a eleição, ao oficialato, de candidatos
ainda ligados àquela entidade.
Fonte: Cristianismo Hoje
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