O crescimento da capoeira gospel
no Brasil estaria causando um ponto de tensão com setores do movimento negro
com ligação com as tradições das religiões afro-brasileiras.
A rede britânica BBC produziu uma
matéria com o grupo organizador do “1º Encontro Cristão de Capoeira do Gama”,
no Distrito Federal, e encontrou mais de 200 participantes, que substituíam os
cantos de exaltação a orixás pelo louvor a Jesus Cristo: “Não deixa seu barco
virar, não deixa a maré te levar, acredite no Senhor, só ele é quem pode
salvar”, entoavam.
A jornalista Mariana Schreiber,
responsável pela reportagem, afirma que a capoeira gospel é uma “vertente que
ganha cada vez mais adeptos no Brasil, principalmente por meio da palavra e do
gingado de antigos mestres que se converteram à religião”.
O evangelista que organizou o
evento confirma que o esporte é usado como ferramenta de aproximação a pessoas
que não eram alcançadas por outros meios: “Hoje é difícil você ir numa roda que
não tenha um [capoeirista evangélico], e vários capoeiristas viraram pastores.
É um instrumento lindo de evangelização porque é alegre, descontraído, traz
saúde, benefícios sociais”, afirma Elto de Brito, seguidor da Igreja Cristã
Evangélica do Brasil.
Outro que confirma a iniciativa é
o mestre “Suíno”, que pratica capoeira há 40 anos e se converteu ao Evangelho
há 25. Hoje é o líder do movimento Capoeiristas de Cristo, que conta com cinco
mil integrantes no Brasil e há 13 anos realiza encontros Brasil afora.
“Há um cuidado para não chocar
com as visões da igreja. Cuidado com a roupa, com o linguajar, com as músicas,
mas que não necessariamente tem que ser só música que fala de evangelho, de
Deus”, explicou.
Choque
Os capoeiristas tradicionalistas
e o movimento negro, no entanto, não aprovam a existência de grupos de capoeira
gospel, pois consideram essas iniciativas uma “apropriação cultural” e uma
forma de apagar as tradições afro-brasileiras e o símbolo de resistência dos
escravos no século XVIII.
O Colegiado Setorial de Cultura
Afrobrasileira, que faz parte do Conselho Nacional de Políticas Culturais do
Ministério da Cultura, chegou a divulgar em maio a “Carta de repúdio à
‘capoeira gospel’ e à expropriação das expressões culturais afrobrasileiras”.
Dentre os principais pontos de
queixa, os representantes do movimento negro alegam que os praticantes da
capoeira gospel adotam discurso de demonização contra a capoeira tradicional e
as religiões do candomblé e da umbanda.
Os representantes da capoeira
tradicional reconhecem que seguidores de qualquer religião podem praticar
capoeira, mas querem “respeito” à tradição do esporte. “Temos lutado contra o
racismo em suas diversas e perversas manifestações. A demonização perpetrada
por pastores, mestres ou professores de ‘capoeira gospel’, ensinando o ódio e a
intolerância contra as raízes da capoeira e contra seus praticantes não
evangélicos, é um crime de ódio que fere a liberdade e a dignidade humana”,
protestam.
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