Passou ao largo em meio
ao episódio do assassinato dos jornalistas da revista francesa Charlie Hebdo,
mas deve voltar com força, em breve, a questão da liberdade de expressão no
Brasil, a se materializar o desejo do governo de estabelecer um sistema de
regulação dos meios de comunicação, que muita gente vê como uma mal disfarçada
forma de censura à imprensa. A desconfiança se justifica. Desde que Hipólito
José da Costa contrabandeava jornais perseguidos pela Corte de Dom João VI, a
censura à imprensa e à liberdade de expressão foi um fantasma a serviço do
Estado.
Convém lembrar que além
dos dispositivos constitucionais garantidores da liberdade de expressão, o
Brasil é signatário, desde 1996, da “Declaração de Chapultepec”, importante
documento da Conferência Hemisférica sobre Liberdade de Expressão realizada no
México. Por esse documento, uma imprensa livre é condição fundamental para que
as sociedades resolvam os seus conflitos e promovam o bem-estar. Não deve
existir nenhuma lei ou ato de poder que restrinja a liberdade de expressão ou
de imprensa, seja qual for o meio de comunicação.
O documento contém dez
enunciados, sendo que o primeiro deles bastaria. Assim está escrito: “Não há pessoas
nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício
dessa liberdade não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável
do povo”. É necessário apenas acrescentar a necessidade de uma base ética para
sustentar uma imprensa livre, pois ela tem na fé do público seu fundamento.
Logo, a garantia dessa liberdade precisa ser consubstanciada no irrestrito
respeito ao direito de resposta e do contraditório, que dispensa qualquer
mecanismo de fiscalização e controle por parte do Estado.
No Brasil, os regimes
ditatoriais adotaram a censura e serviços estatais de imprensa seja para
impedir a livre circulação de idéias, seja para divulgar uma versão única dos
fatos, a versão oficial, sem contradição, que dá no mesmo. Os ditadores adoram
a imprensa, lógico, desde que sob controle, censurada e falando bem do regime;
todavia, não hesitam em amordaçá-la, quando esta se vê livre para dizer o que
pensa, caindo naquela situação satirizada por um dos personagens criados por
Flávio Rangel e Millôr Fernandes na antológica peça “Liberdade, Liberdade”, de
1965: “Se o governo continuar deixando os jornais fazerem certos comentários,
se o governo continuar deixando este espetáculo ser representado, e se o
governo permitir que o Supremo Tribunal Federal continue dando Habeas Corpus a
três por dois, vamos acabar virando uma democracia!”.
Não há dúvida:
desfrutamos de uma democracia. Uma democracia ruidosa, mas por isso mesmo
estimulante. Compartilhamos uma atmosfera de liberdade, onde todos dizem o que
pensam, nos limites da lei, sem medo de ser preso por isso. Contudo, há
situações que nos levam a refletir e nos manter vigilantes quanto ao tema, tais
como a de veículos de comunicação – jornais principalmente – que sustentam
sofrer censura ou algum tipo de cerceamento das atividades de seus
profissionais. Há casos de autores que tiveram suas obras recolhidas ou que
sofreram algum tipo de restrição por força dos tribunais e há autoridades,
dentro e fora do governo, cujas atitudes para com a imprensa não escondem o
desejo de impor limites a uma liberdade que aparentemente o incomoda.
Já se cogitou, por
exemplo, expulsar um jornalista do país por “falar mal” do Presidente da
República. Existe ainda uma preocupação permanente no ar quando o Estado
desloca restrições para o campo da arte. Exemplo. O livro “Caçadas de
Pedrinho”, de Monteiro Lobato, esteve sob o risco de ser banido das escolas
públicas por recomendação do Conselho Nacional de Educação, do Ministério da
Educação. O motivo? O conteúdo da obra foi considerado preconceituoso.
O universo de fantasia
habitado pelos cativantes personagens de Narizinho, Tia Anastácia, Dona Benta,
Emília e o Visconde de Sabugosa, foi rotulado de racista. O assunto chegou ao
Supremo Tribunal Federal, que felizmente não permitiu a alteração da obra com
notas explicativas. É um exemplo do dano que o Estado, inadvertidamente, pode
causar à causa da liberdade de expressão. A liberdade de expressão é condição
básica para o perfeito funcionamento do Estado democrático de Direito e
iniciativas açodadas como essas afrontam direitos fundamentais.
Em uma sociedade
verdadeiramente plural as ideias circulam sem quaisquer restrições. Nela, a
liberdade de expressão e de pensamento não encontra barreiras. Quanto mais
informação em circulação, quanto mais liberdade, maiores as chances de
manutenção das conquistas democráticas. Importante ter em foco que episódios de
violência contra jornalistas não são raros ainda hoje. E nunca é demais lembrar
que já tivemos invasões às redações no Brasil com o objetivo de calar a
imprensa.
No início dos anos
1960, o jornalista Antônio Maria (1921-1964), do jornal Última Hora, no Rio de
Janeiro, teve os dedos das duas mãos quebrados por capangas do então governador
Carlos Lacerda, que se sentia ofendido por suas crônicas ferinas. No dia
seguinte, porém, para surpresa de todos, Maria voltou com outro artigo
impiedoso. Não citava a violência da qual foi vítima, mas concluía o texto
lembrando aos seus algozes:
– Que tolos! Eles
pensam que os jornalistas escrevem com as mãos… Autor; IBANEIS ROCHA
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