Fabrício Alves dos
Santos é um homem preso no corpo de uma criança. Tudo nele remete à infância –
a baixa estatura, o rosto de menino e a voz meiga de quem ainda não passou pela
puberdade. Mas, aos 20 anos, ele tem 1,09 m de altura, algo incompatível com
sua idade.
Apesar da aparência
infantil, assim que Fabrício começa a conversar fica nítido que por trás da
fisionomia de menino está um homem com desejos que refletem a sua realidade.
O baiano de Paulo
Afonso, cidade a 434 quilômetros de Salvador, tem uma rara manifestação do
nanismo hipofisário. O corpo dele não produziu o hormônio responsável pelo
crescimento humano, o GH.
Fabrício sonha em
crescer tanto em estatura quanto na vida. Para ele, as duas metas estão
entrelaçadas como causa e consequência. Uma altura normal para a sua idade
significa mais oportunidades na vida pessoal e profissional.
“Eu quero ser grande
porque quero trabalhar para ajudar todo mundo que precisa de mim. A minha
alegria é crescer, o resto não tem problema”, diz. O sonho está mais perto. Há
duas semanas, a vida de Fabrício mudou quando foi com seu pai, Clarisberto Lira
dos Santos, 54 anos, tirar o título de eleitor.
Para ter o documento,
ele precisava da carteira de reservista, que é emitida pelo Exército. “Quando
fui alistar ele, a Junta Militar ficou surpresa”, relembra o pai. Comovidos com
a situação, os militares resolveram ajudar a família de Fabrício.
A atitude resultou na
marcação de uma consulta, ocorrida na última sexta-feira, que culminou no
encaminhamento dele para tratamento no Hospital das Clínicas, em Salvador. Até
então levando uma vida sem diagnóstico e perspectiva de mudança, a esperança
renasceu na família.
De menino
“acanhadinho”, como o pai de Fabrício se refere à altura do filho, todos agora
se permitem sonhar com o dia que ele poderá viver normalmente e deixar para
trás as lembranças tristes do passado. Segundo o jovem, ele começou a perceber
que era diferente dos outros colegas ainda cedo, no início da vivência escolar.
“Da 1ª até a 4ª série todos me tratavam bem. Depois, começaram a dizer que eu
não crescia mais, que era anão”.
Os comentários fizeram
com que o jovem decidisse não cursar o ensino médio, por conta da diferença
entre a sua estatura e a dos colegas. “Ele teve medo da situação piorar. O
colégio e os professores sempre foram muito compreensivos, e alguns alunos que
o defendiam, mas sempre tinha quem praticasse o bullying”, relembra a irmã mais
velha, Patrícia Alves.
Saúde frágil e
internamentos em UTI: os primeiros anos de Fabrício
Nascido em 24 de maio
de 1995, Fabricio já chegou ao mundo de forma dolorosa e inesquecível. É que a
mãe dele teve complicações na hora do parto, apesar de ter feito um
acompanhamento pré-natal durante toda a gravidez. Este foi o início dos muitos
obstáculos de saúde enfrentados pelo baiano.
O período difícil
marcou muito a família. “Quando ele tinha 5 anos a gente desconfiou do
crescimento, mas desde antes disso ele já era muito doentinho. Já tinha passado
por hospitais em Salvador e Recife, e depois melhorou um pouco”, relembra o
pai.
O jovem chegou a ficar
internado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Instituto de Medicina
Integral Professor Fernando Figueira, em Recife, por quase quatro meses.
Durante o período, ele teve um AVC e uma trombose. “Ele ficou pele e osso.
Depois que ele teve alta, o combinado foi voltar e fazer um acompanhamento por
um ano. Só que minha mãe tentou diversas vezes com a prefeitura, mas nunca
conseguiu”, relembra Patrícia, pesarosa.
Sem dinheiro para
bancar as viagens para Salvador e consultas particulares com especialistas, a
família resolveu seguir em frente e educar Fabrício da melhor forma possível,
sempre priorizando a sua autoestima e privacidade.
Agora, com a
possibilidade de tratamento, a família de Fabrício decidiu tornar a luta dele
pública. “A decisão de se expor foi muito difícil. Mas no final decidimos por
isso porque quantos outros Fabrícios podem existir por aí perdidos, que os pais
não mostram? A gente não quer lucrar. O que a gente quer um pouco com isso é
abrir os olhos da sociedade e dos próprios médicos, porque se tivessem
descoberto o que ele tem antes, talvez ele não passasse por tudo isso”, pondera
Patrícia.
Revolta com a condição
e planos para o futuro
Muitos na situação de
Fabrício não lidariam com os comentários e preconceito sofrido com a mesma
tranquilidade. Revolta com a condição física, segundo o jovem, nunca fez parte
do seu vocabulário.
“Eu não ligo para os
comentários maldosos das pessoas. Se eu ficar pensando nisso toda vez que ouço
algo, eu vou ficar é doido”, comenta Fabrício, rindo. “Eu não quero ficar
doido, eu quero é ficar grande”.
O sonho é atingir ao
menos 1,50m e ficar mais próximo do tamanho do pai e da mãe, que têm nove
centímetros a mais do que a meta. Os irmãos, tantos os mais novos quantos mais
velho, são ainda mais altos – o maior deles com 1,67, diz Beto.
Existem outras
ambições, claro. Entre elas está o desejo de cursar a faculdade e projetar
arranha-céus. Para Fabrício, quanto mais alto melhor. “Gosto muito de desenhar.
Seria um sonho realizado ser um arquiteto”, planeja.
Mesmo chamando atenção
por onde passa, Fabrício não se abala. “Minha mente é de uma pessoa adulta,
apesar do tamanho. Tem gente que é grande, mas não sabe de nada. Tem gente que
só desenvolveu no tamanho, e não na mente. E isso é pior, porque quando é
altura a gente até resolve. Se for a mente, não volta mais”, diz.
Tratamento pode custar
até R$ 1,2 milhão, diz especialista
A situação de Fabrício
é considerada rara, mas reversível, afirmou o endocrinologista Helton Estrela
Ramos, médico do Hospital Português e professor do Departamento de
Biorregulação da Universidade Federal da Bahia (Ufba).
“O que houve foi um
defeito na produção do hormônio de crescimento, que é produzido na hipófise.
Ele, em especial, é um caso raro – um rapaz de 20 anos que ainda não teve
diagnóstico oficial ou tratamento”, comentou o endocrinologista.
A hipófise, causa do
tormento de Fabrício, é uma glândula localizada na base do cérebro, que produz
vários hormônios e tem, entre suas várias funções, atuação no crescimento dos
seres humanos e na estimulação das gônadas, que agem no amadurecimento dos
órgãos sexuais.
O caso de Fabrício pode
ser incomum, mas tem fácil resolução, porque há indícios físicos de que o jovem
não passou pela puberdade. “Esse tratamento é bem caro. Estima-se que para cada
centímetro que o indivíduo cresça, seja gasto em torno de R$ 30 mil por cada
centímetro”, pondera Estrela. Fonte: Correio 24 Horas